domingo, julho 20, 2008

Livro: Precisamos falar sobre o Kevin


Aproveitando minhas férias na praia, levei uns 4 livros e tive um bom saldo de leitura que pretendo comentar post a post conforme percorro o final de minhas pseudo férias.


Esse foi recomendado pela Bethinha do blog
Noites em Claro.


A história é de uma americana com ascendência armênia que ama de paixão qualquer canto do mundo, e principalmente qualquer canto do mundo, excluindo seu país. É absurdamente bem escrita e a escritora é capaz de colocar no papel sentimentos escusos, desses que temos negamos de pés juntos a nós mesmos.

Conta uma história de um adolescente bem abastado, do tipo que está na moda nos Estados Unidos, que mata coleguinhas e alguns funcionários de sua escola de primeira linha.


O adolescente no caso é seu filho mais velho da narradora e ela repensa toda sua história de maneira muito clara na forma de cartas para Franklin, o pai do garoto. Ao escrever conseguimos assentar nossas idéias, ter uma companhia que ouve em silêncio e com atenção, dar cabo a horas insones, matar saudades, aplacar angústias. Enfim, ao escrever ela tenta digerir tudo o que aconteceu em sua (indigesta, diga-se de passagem) vida, que culminou com o assassinato em massa. Procura ser honesta consigo mesma tentando exorcizar a maldita culpa que já é incutida em nossa cabeça, independente da nossa vontade, assim que a menstruação atrasa. Tenho como certo que mesmo ela sabendo que não é culpada, imagino que coloca a cabeça no travesseiro e tem a nítda sensação de que é sim a responsável por tudo. Ela foi mãe perto dos 40 anos, fato que pode não significar nada, mas que nos leva geralmente a pensar numa gravidez muito bem planejada, pois se alguém nunca ficou grávida (ou nunca abortou uma gestação) até os trinta e tantos anos, não vai ser com essa idade que vai ser "pega de surpresa". No entanto ela não estava de mãos dadas com a maternidade, para ser um tanto romântica, quando decidiu ter o Kevin. Ela pesou muito o momento certo e ainda assim, parece não ter tido essa gravidez na época adequada. Ironicamente ela comenta que fazia lista de prós e contras, mas confessa que nunca estava na lista um contra do tipo: não vou ter filho pois ele pode ser um assassino. Pena que sua visão racional não ia tão longe. Comentei em outro post nesse blog sobre a "graça"(no sentido de ser agraciada mesmo) que passei a ver meu ofício (antes eu só via a grandeza do momento e não do futuro de uma pessoa) de obstar, praticar obstetrícia, estar ao lado e ajudar a trazer ao mundo um ser humano, que pode ser um futuro Einstein ou um futuro Paulo Maluf, havia citado eu. É isso, mesmo sendo nosso filho, a gente não tem, e não deve ter mesmo, a mínima idéia do tamanho da supresa - para usar uma palavra leve - que teremos. Mas imaginar que ele será um sociopata, ou seja, alguém que não sente remorso ou culpa pela atrocidades que é capaz de cometer, é demais. Como ela conta no livro, Franklin , seu então marido, não tolerava esses tipos de pensamentos "contar com o desastre é cortejá-lo", ele dizia.

Ela fica grávida pelo desafio de ficar grávida, para "virar uma página" - assim como se almoça para terminar a manhã e começar o período vespertino. Acaba que não consegue vencer o sentimento de ambivalência que a gravidez a propõe, nem mesmo quando o menino já chora no quarto ao lado. Não sente nada de especial quando enfim, depois de um longo trabalho de parto, dá a luz a um menino que não lhe diz nada com o olhar. Não se sente tocada pela varinha da fada da maternidade e realmente os sentimentos para ela são praticamente contos de fada ou histórias de extra-terrestres. Previsivelmente ela termina não sendo capaz de amamentar e com depressão puerperal. Tudo muito aparentemente incomum, pricipalmente quando se lê da forma crua e impiedosa que é bem escrita a gestação e primeiros meses do bebê, mas muito real.


Desde o primeiro momento, mas principalmente com o desenrolar da história, fiz um paralelo com um filme que vi ainda no meu internato, numa aula da disciplina de psiquiatria
O Anjo Malvado. Muito bom o filme, dois meninos primos de idade semelhantes acabam morando na mesma casa quando um deles, o anjo bom, se torna órfão. Esse "anjo bom" descobre as maldades que o outro é capaz de fazer e fica perplexo sem conseguir mostrar aos adultos o show de horrores que passa a viver. A autora também vivencia isso: vê o filho armar seu show e não consegue convencer o marido que as coisas não vão pelo caminho certo. Que o ser humano tem uma maldade imensa e que precisa ser muito bem capada para a sobrevivência da espécie todos sabemos. A criança tem esse lado mau bem desenvolvido, e está sendo provado pelo muito encontrado atualmente bullying, comum nas escolas hoje em dia e incomum de achar escola que saiba lidar com o problema. Mais interessante é a interpretação que o psiquiatra nosso professor nos propôs de que o filme é uma alegoria, sendo que anjo bom e anjo mau são os mesmos, parte de um mesmo ser. O futuro desse "anjinho" depende, dentre outras coisas, do lado que será estimulado e do lado que será freado. De fato o menino Kevin foi reforçado em sua maldade pelo pai cegado pela varinha da fada da paternidade (ele foi tocado pela varinha!). E foram vários os sinalizadores, ao menos da forma como coloca a própria mãe e de acordo com o que escreve ela percebia no ato e não apenas agora depois que já se sabe o fim (ou será o meio?) da história. Por outro lado, esse pai tinha de suavizar a maternidade muito mal resolvida e amparava demais onde sentia a todo momento o desamparo velado da mãe. No filme o final é feliz. Na vida real do livro, a mãe consegue ver o lado mau dela mas não consegue estirpar. A ela só resta de certa forma se unir a ele. Ela sabe ser parte dele. Se não foi capaz de aproveitar o que poderia ter de bom no que seria o sentimento mais puro do mundo, ela deve pagar penitências por isso e visitar o garoto regularmente, como uma mãe normal faria e ela mecanicamente faz.

O livro é pesado e não digo apenas de conteúdo. É um livro de 464 páginas de letras miúdas, desses que não costumo gostar principalmente por tornar não portátil o que é para ser portátil. A capa, como pode ser vista acima, tem uma imagem hedionda de uma criança com uma máscara de bicho selvagem. É muito boa, pois já desperta na pessoa que vê ( e até em meus filhos: minha troiana logo disse que não gostava desse homem!) o mesmo desconforto da história nele contida. Parecia que eu não iria conseguir terminar nunca, apesar de ler com muito interesse horas seguidas. Mesmo sabendo a história ia surpreendendo com a personalidade extremamente inteligente e na mesma medida crítica da autora. Ela tem horror ao norte americano padrão obeso com caminhonete que se julga dono do mundo ou de boa parte dele. Também venho de um núcleo familiar extremamente crítico e posso atestar que isso não pode ser isoladamente, aliás como nada, responsabilizado como desencadeador da tragédia. De forma que a inteligência dela e o mal jeito de lidar com sentimentos nos cativa e nos faz seguir ansiosos adiante no livro, que ainda é capaz de supreender como um thriller.


um beijo e boa noite,

TiTa

8 comentários:

Eu não sei, você sabe? disse...

Ah sim e estou louca pra saber a opinião do Contardo Calligaris sobre o livro. Li o romance dele na viagem e fiquei pensando o que ele teria dizer a respeito desse perturbador livro>
mais um beijo!

Beth Blue disse...

Uau! Você gostou mesmo do livro do Kevin...Quase escreveu um livro contando sobre ele aqui, rsrsrsrs. Sim: leitura inteligente e perturbadora como comentei no meu blog. Eu também adoro ler ;-)

beijos transatlânticos...

disse...

Nossa amei a dica.
Adoro misturas. rs
Saudades!!!
Beijos!!! =D

FELICIDADEetrist... disse...

Nossa, adorei o post, Ti, mas fiquei com medo do livro. Sei lá, talvez seja a fase por que passo, a identificação que tenho medo de sentir de alguma forma com a autora. Sei lá mesmo, até porque nem filho eu tenho.... rsrs... Mas acho que eum livro que nos toque, nos faça pensar, vale mais que tudo. Um livro pra nunca esquecer. Eita leiturinha leeeeve de férias, não?
Como já disse, amei o post. Adoro tudo q vc escreve e só espero por mais, mto mais.
Besitos cheeeeeeeeeeeeeios de saudades!

FELICIDADEetrist... disse...

Voltei pra te dizer q acho que fiquei com medo do livro também por causa do seu paralelo com o filme Anjo Mau. Lembro bem desse filme, diferente do que costuma acontecer pra mim, porque achei o menino muito mau, com atitudes serííssimas e sem remorso! Mas, enfim, um dia leio. Obrigada, mais uma vez, pela reflexão! Mais bjs!

Vivia disse...

Adorei a dica! Já está na minha lista de desejos...
Estou ansiosa pelo comentário dos demais livros.

Beijos!

Anônimo disse...

é o eterno duelo entre os genes e a mente. quando a mente prepondera acabamos por não perpetuar, mas aí vem o genes implacáveis nos enfiar debaixo da terra...

nada a ver, não é? estou sabendo...

agora, que vergonha dona! 400 páginas de letras miúdas não são nada!!! c'mon...

beijo,

MEUS DIAS DE CHUVA disse...

Já li sobre o livro. Mais ainda agora com o seu texto.
Já o peguei nas mãos pra comprar...mas confesso...faltou coragem...é tão chocante né? Será a maternidade que faz isso com a gente? O medo do que "está por vir"? rsss
Bjs