quinta-feira, abril 12, 2007

Manicure


Cutucava os dedos da cliente como quem tem um prêmio a receber por cada pelinha retirada. Ágil, magricela na cintura, frágil no quesito peito, mas com uma bunda honesta, volumosa e de muita personalidade. O cabelo tinha uma cor diferente, dessas que só quem trabalha num salão de beleza é capaz de portar. Era natural sua tintura. Natural em sua beleza. Podia-se jurar que era loira com uma tendência ruiva, não fosse pelo fato dela mesma confidenciar, com ar despretencisoso, entre dentes e ao pé do ouvido da cliente que ela mesma tingia seu cabelo, no aconchego do lar. Por isso que gosto de ser curiosa, disse espontânea. Numa espontaniedade infantil própria dela e que fazia, inexplicavelmente, carrregar uma série de fãs. Homens e mulheres. Curiosa para ela era sinônimo de interessada. A mesmíssima coisa. Equívoco compreensível quando se estava ao lado dela. Tudo se explicava e se justificava, mesmo sem requisições. Eram a imagem e o jeito dela que tornavam tudo como deveria ser.

Observava com rigor as atividades que seu patrão desempenhava, e repetia com o afinco da melhor aluna da turma em sua humilde morada. Tal atividade doméstica causava certo desespero no chefe do lar. No fim ele iria gostar, jurava para ele num tom tão doce quanto seguro, que acabava desconcertando o pobre homem. Há tempos ela já tinha ganhado aquele segundo coração. Nem ele desconfiava do grau de tal doação, mas homens costumam demorar mais a perceber mesmo. Você sempre gosta do que faço, completava com ar desinteressado enquanto passava a gororoba na parte posterior da cabeça sentada na privada, jogando o cabelo todo para frente, vestida num robe claro que se entreabria, mostrando as coisas que ela não tinha preocupação em esconder.
Não era daqui, era de lá. Por isso tinha o sotaque cadenciado. Bonitinho, mas soava forte. Fortíssimo quando cometia um desses erros, medonhos e primários, de português. E então voltava a ter um ar infantil num corpo de mulher e seguia, na sua ignorância irrestrita, conquistando um séquito de fãs. Alguns tentavam em vão corrigir o absurdo pronunciado. Ela fingia que aprendia o certo e continuava falando como estava acostumada. Inteligente a ignorante.

Prosseguia explorando cutículas quando sua colega ociosa observou as manchas que vinham aparecendo em sua própria pele. Antes de qualquer melhor análise da mancha, sem mesmo olhar para elas, disse o definitivo diagnóstico dos hematomas, ao menos o diagnóstico que conhecia, carregado de uma sabedoria que só serve a quem tem capacidade de entender:

-Angústia.

-Você está tendo o mesmo problema de minha mãe.

A outra já sugestionada não quis se lembrar da distância de sua cama até o móvel com a TV. E da distância da mesma cama para o armário, que para abrir porta ou gaveta precisava subir um pouco a colcha, pois senão a abertura ficava insatisfatória. Tudo na posição exata. Em latitude e longitude. Caso contrário os movimentos estavam impedidos. E as topadas, mesmo com muito habilidade eram inúmeras.

Não importa qual fosse o misterioso motivo, mas Angústia caia como uma luva. É universal o sentimento e todo mundo tem ao menos uma guardada. Por vezes trancadas. Muito mais fácil se elas se abrissem em hematomas doídos apenas ao toque na pele.


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No segundo tempo dessa história cheguei em casa e vi a perna da troiana cheia de hematomas, desses que denunciam o grau de espoletice(?). Pobre dela se tivesse tudo isso de angústia, pensei na hora.

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Besitos e boa seixta!

Tita.

2 comentários:

Anônimo disse...

pelo visto, latitude, longitude e altitude!! ;)

agora... que a tal somatização é o fim da picada, isto é!!! Pior ainda é gastar tempo e dinheiro para ir ao médico, fazer exames e depois vê-lo olhando prá você e dizendo: "Você está bem. É stress. Tem que relaxar." Ah!?!?!? Está certo... porque não pensei nisto antes?!!? É só relaxar!! Vou ali na esquina pegar meus US$10 milhões, ir passear, estudar, viajar, comprar e mandar à merda tudo e todos que me causam stress. Fácil, né?!?!

Beijo, :)

Frederico disse...

Titinha... "mas com uma bunda honesta, volumosa e de muita personalidade" foi... hum... inspirador (ufa, encontrei uma palavra decente). // Beijossss!